O Anjo Da Morte


       Todos pensamos na morte como algo súbito e sombrio, acreditamos que a Dona Morte virá com uma foice, e nós que somos pecadores queimaremos eternamente no fogo do inferno. 
   Certa madrugada eu tive um sonho estranho no qual um homem reluzente com cachos aparentemente bonitos e louros, de penas cintilantes nas enormes asas que ao mesmo tempo que dava admiração, assustava, falou-me: 
      - Vim lhe preparar para a chegada hora de morte! 
     Quando pensei em abrir os meus lábios que estavam trêmulos, ele já havia desaparecido. 
  Acordei apavorada, suando friamente e meus pulsos acelerado, meu coração estava batendo descompassado, tudo que me recorria à memória era o anjo, que até então, era misterioso. 
     Levantei da minha cama retirando as cobertas, que estavam molhadas do meu suor frio e apavorante. Fui andando apoiando as mãos quentes nas frias paredes até chegar à cozinha. Sentei-me em um banco de madeira próximo ao balcão, pensei uns instantes comigo mesma – não seja tola, foi só um sonho – e levantei vacilando as pernas trêmulas, em seguida peguei um bolo de cenoura coberto de chocolate, que nem sei quem o fez: - veja que injustiça esqueci de perguntar ao padeiro – disse isso baixo para mim mesma. 
       Quando acabei de comer, o nem tão horrível bolo, lembrei que certa vez quando eu era apenas um anjo com asas pequeninas, cabelo liso com enormes cachos nas pontas, brincava ao redor do jardim cobertos por lírios, rosas, violetas e tantas outras flores, e sujava minhas mãos de terra fazendo bolinhos. Enquanto isso lembro que minha amada mãe, sentada em uma cadeira posta na varanda, olhava-me com seu olhar materno e ao dar 15h01min ela chamava-me para merendar seus deliciosos bolos. Recordo-me que certa vez, pouco antes de minha mãe me chamar, eu estava sentada observando ao meu redor, olhando todos os trabalhadores de bem, queria que o mundo e as pessoas fossem melhores. É queria sim! Eu acreditava na bondade divina, na justiça do ser supremo, até ele levar minha mãe para perto de si, me deixando abandonada com aquele padrasto miserável frequentador de bares e bordeis, tive que me virar sozinha mãe, se hoje eu sou assim, amarga, culpe a Deus e não a mim. 
       Não entendi o porquê de lembrar-me desse acontecimento, olhei-me no espelho deparei com meus olhos verdes e iguais ao de um diamante, não porque brilhava, mas porque era duro e cortava a todos que o olhavam. Lavei minha cara de sono, tomei um banho quente, vestir minhas roupas e fui ao meu escritório. 
       As empregadas olharam-me como sempre, dava seus bons dias, mas eu nunca os respondia. Nesse dia a rotina foi pior do que todos os dias, mesmo me produzindo toda ficava aparentemente bonita por fora, mas quem fosse olhar diante dos meus olhos e pudesse enxergar minha alma – se é que tenho uma – veria tanta escuridão que não daria para apreciar nem uma beleza, nem um raio de luz sequer. Minha vida amorosa era uma negação, sempre achava um defeito nos idiotas, que segundo eles se apaixonavam por mim, como se eu não tivesse um, enjoava, mandava-os embora, afinal eu era independente, rica, não precisava deles. Sei que meu secretário tem uma quedinha por mim, mas nunca me disse nada, então que assim seja. 
       Eu estava literalmente vegetando na mesa, tratando meus clientes como devem ser tratados, sendo bajulada como sempre, comendo besteiras na hora do almoço, e pulando sempre as malditas 15h01min. Já quebrei milhares de relógios quando eu os olhava nesse horário, mas hoje vou deixar este infeliz tagarelar com os números e passear pelo maldito passado que me recorre a memória.             Finalmente, acabou o turno de trabalho, me degusto das comidas deliciosas do meu restaurante favorito, vou embora, tomo meu banho e durmo. Nem lembrava mais do maldito sonho, até deitar e sonhar novamente, sempre as mesmas palavras: 
    - Vim lhe preparar para a chegada hora de morte! Mas dessa vez tinha um detalhe diferente, ele deixou com que eu visse os seus olhos azuis de anjo e sua aureola dourada. Vi um vulto que passou entre ele dizendo que não conseguiria. 
      Acordei novamente sem entender, não sei dizer se estava mais ou menos assustada, mas a rotina praticamente foi a mesma ou pior que a anterior, bolo horrível como sempre, não sei por que eu teimava em comprá-los, talvez eu queria sentir novamente o gosto da infância, o gosto da felicidade em comer o bolo da minha mãe, mas nunca achava eles tão bom, afinal, o bolo dela, era único. 
      E quando digo que aconteceu exatamente a mesma coisa eu não estava brincando, até mesmo o sonho foi exatamente igual. 
     Dessa vez, quando acordei, fiz tudo diferente, resolvi acordar mais cedo e eu mesma fazer o bendito bolo, arrumei meu quarto pela primeira vez, desde que me mudara para aquela casa, tomei um banho gelado, dessa vez, me arrumei para o trabalho, e fui comer meu bolo quentinho, não era lá essas cozinheiras toda, mas até que o bolo não havia ficado ruim. Quando acabei, decidir ir andando para o trabalho, já que faltavam algumas horas para meu turno. Andando pela calçada e observando como era a cidade, vi uma livraria e decidir entrar. Lá vi um livro branco, com letras azuis cintilantes, que destacava na branquidão do livro o seguinte título: COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ. Nas primeiras estrofes, havia uma pergunta sobre o que você faria se esse fosse seu ultimo dia. O livro me chamou a atenção! Tirei uns trocados da bolsa e paguei. 
     Olhei meu relógio, e sair às pressas, já estava quase no meu horário, seria o tempo exato para chegar até o trabalho. Quando cheguei, dei bom dia a todos pela primeira vez, e eles me olharam com um ar de dúvida, tanto pelo bom dia quanto pelo meu dia de hoje, ser de folga, e eu havia me esquecido. 
     Já que não tinha que trabalhar, decidir ir ao parque central que ficava próximo ao escritório. Chegando lá, estava tudo quieto, talvez porque ainda fosse cedo, não tinha ninguém, exceto eu e uma velhinha, que alimentava os pássaros. Sentei em um velho banco de madeira rebuscado, que ficava embaixo de uma laranjeira, tirei meu livro da bolsa e comecei a ler. Era uma história bastante interessante, na qual, o verso final dizia: 

Escutei meus sonhos em tua liberdade, 
morreu em mim toda escuridão, 
quando eu o vi, Ó anjo da morte! 
Foi como se meu coração desacampasse 
de toda escuridão que morria em crueldade. 
Foste tu, meu amado anjo, 
que me fez querer mudar, 
eu via o sol arder em minha pele 
mas não o via iluminar. 
Aos meus ais, deixo morrer 
toda lembrança ruim, 
que fez minha vida escurecer. 
E por ti, anjo bom 
eu morri e vivi, 
porque na verdade nunca soube viver. 
Agora mudei, 
deixei de devorar toda a maçã, 
envenenada. 
Me dediquei a ti, e ao nosso Deus 
que me fizeste compreender e ser amada, 
e aprendi que: 
nessa vida devemos aproveitar todo dia 
como se não houvesse o amanhã.
    
     Admito que isso mexeu com meu psicológico, li o livro tão rápido e despercebido que mal sentir fome e já eram, coincidentemente, 15h01min da tarde. Quando olhei o relógio, ao invés de sentir ódio, sentir pena de como aquilo que deveria ser lembrado com carinho, era tão vasto e tão cruel. Pela primeira vez, desde que minha mãe se fora, eu comecei a me debruçar em lágrimas sem saber por quê. Talvez porque eu tivesse desperdiçado a minha vida inteira, querendo um culpado para a minha desgraça, que me esqueci de culpar a mim mesma, esqueci de ser uma pessoa melhor, esqueci de ter visto a vida com outros olhos, esqueci de olhar não para a vida, mas como ela realmente deveria ser olhada, toda dor e sofrimento foi fruto dos meus sentimentos, poderiam ser entendidos, mas não justificados. Pela primeira vez, conseguir sentir vontade de morrer, mas não de morrer com morte morrida e sim da morte do que eu era na vida, renascer para ser uma nova mulher, que deve enxergar a vida como ela realmente é, e tratar melhor as pessoas que convivem comigo, tratar bem as empregadas, e os clientes que atendo todo dia. Deixar morrer a futilidade e a arrogância do meu espírito, deixar de exacerbar a minha alma, e torná-la não tão pura como a água limpa, mas como realmente deveria ser, mesmo cheias de impureza ter a chance de se infiltrar e ser pura novamente. Viver não como um(a) FAROESTE CABOCLO(A), mas como PAIS E FILHOS, porque eu sou a música de quem diz SERENÍSSIMA, um animal sentimental, embora não me apegue facilmente, muitas vezes algo desperta o meu desejo. E por isso ao sair de lá eu resolvi voltar ao meu escritório, falar com meu secretário, dar a chance a ele de se declarar, de ver o que eu sentiria, de se sentir viva como mulher amada, agora ‘’morrida’’ aos poucos do que eu era, e vivendo para o que eu deveria ser: Filha de Deus, vivendo cada dia como se não houvesse outro, e fazendo de tudo para ser melhor e amar a todos, afinal é assim que deve ser. 
     Nessa noite, quando tive meu alto resgate, o anjo apareceu novamente, mas de uma forma diferente, dizendo: 
        - Vim para lhe dar os parabéns, você se deixou morrer e agora está começando a viver bem. Orai e vigiai, ame a todos e primeiramente a você mesma, se queres chegar ao plano mais elevado, ame a seu pai, nosso Deus, e tudo na sua vida será abençoado. 
       Pude dizer amém e ser derramada, com as bênçãos de luzes, que caíram do céu. Termino dizendo que você não seja uma pessoa amarga, deixe o açúcar se diluir na sua alma, ame e seja amada, pois só assim será recompensada, não por bens materiais, mas por uma vida de repleta paz.

Autora: Paula Stephany - Aluna da 3ª série do Ensino Médio - Colégio Estadual Olavo Alves Pinto.