Projeto Santo Antônio de Música no Jornal

ORQUESTRA DE CRIANÇAS CARENTES TOCA CLÁSSICOS NO SEMIÁRIDO DA BAHIA
Conceição do Coité – Projeto social atende 90 meninos, mas precisa de instrumentos e mais espaço
Jornal A Tarde – 26.12.2010
Texto: Glauco Wanderley – Fotos: Reginaldo Pereira


Em pleno semiárido baiano, em Conceição do Coité, a 200 quilômetros de Salvador, os músicos tocam Asa Branca, clássico de Luiz Gonzaga. Mas no lugar de sanfona, triângulo e zabumba, o som vem de violinos, violas, violoncelos e flautas. Ao invés do costumeiro cenário com um trio de forrozeiros idosos tentando manter viva uma tradição, o palco abriga 40 crianças e adolescentes vestidos em traje de gala, obedecendo aos comandos de um maestro.
A cena que há pouco tempo seria impensável, em três anos de existência da Orquestra Santo Antônio, se tornou comum. Em meados de dezembro, o grupo superou 40 apresentações. Os meninos e meninas do projeto musical e social descobriram “ontem” a música. Hoje grande parte deles sonha tocar profissionalmente numa orquestra.
A criadora e coordenadora, Maria Valdete Santos, espera no mínimo dobrar o número de integrantes, para formar um conjunto com dimensões oficiais. A orquestra surgiu da paixão de Valdete pela música erudita e tomou forma graças a uma feijoada. O prato tipicamente brasileiro, saboreado nos Estados Unidos, é o cardápio de um almoço anual que garantiu o dinheiro para o pontapé inicial.
O irmão de Valdete, Antônio Ferreira da Silva, é padre na paróquia de Nossa Senhora de Fátima, em Nova York. Ele abraçou a causa e promoveu a primeira feijoada, em 2007. Os 3.500 dólares arrecadados na venda do almoço se transformaram em 15 violinos e 30 flautas doces. 20 crianças começaram as aulas.
Hoje são 90, divididas em quatro turmas, com alunos a partir de 7 anos. Apenas 90 porque não há professores, instrumentos nem espaço para abrigar o restante que também queria participar.
ENSAIOS
Aulas e ensaios ocorrem na capela particular construída no terreno da casa de Valdete, no bairro Alto da Colina. Os estudantes são do próprio bairro e dos vizinhos Mansão e Açudinho, na periferia da cidade. “Grande parte dos alunos são carentes, mas felizmente aqui não temos problemas com drogas e insegurança”, afirma a criadora do projeto.
O único professor é também o maestro, Josevaldo de Almeida Silva, autodidata em busca de uma formação profissional em música, para melhorar a qualidade do ensinamento transmitido aos meninos. “Comecei a tocar violão em grupo de jovens na igreja. Quando ouvi um violino pela primeira vez, em um casamento, tocado por um membro da Orquestra Neojibá [Núcleo de Orquestras Juvenis da Bahia, com sede em Salvador] me apaixonei. Comprei um e fui sozinho tentar aprender, porque não tinha quem ensinasse”, recorda o maestro.
SEM PROFESSORES, ALUNOS PASSAM A ATUAR COMO MONITORES
Faltam professores, mas a orquestra Santo Antônio já tem os primeiros monitores. São os próprios músicos adolescentes que avançaram mais no aprendizado. Como os violoncelistas Letícia, 12 anos e André, 13 e Isabela, 17, que se dedica à viola, comumente confundida com o violino.
André gostou de cara do violoncelo. Aprendeu depressa e no mesmo ano em que entrou já ensina. Letícia descobriu o instrumento graças à boa vontade. “Ninguém queria o violoncelo e eu fui pra ajudar. Hoje eu gosto mais do que do violino”, assegura.
O apego só não é maior que o de Isabela pela viola. “Gosto muito, muito, muito”. Tanto que se zanga quando o repórter pergunta se o instrumento incomum atrai pretendentes. “Não procuro namorado. É perda de tempo”, decreta.
MOTIVAÇÃO
A motivação das crianças impressiona. Um exemplo é a pequena Micaele, 10 anos, que brigou para tocar o instrumento de sua preferência. Todos os iniciantes começam a formação musical com a flauta doce. Muitos sonham em mudar para a flauta transversal. É difícil, porque o preço impede que o projeto compre muitas.
A flauta que custa R$ 700 no Brasil é vendida por 150 dólares nos Estados Unidos, mas a importação não é uma saída, porque encarece o produto. Pela insistência de Micaele em mudar de flauta, Valdete disse que aceitava se ela aprendesse três músicas em uma semana, sem ninguém ensinar. Ela aprendeu, ganhou a promoção e até demonstrou para a reportagem uma das melodias do teste. “O som da transversal é mais bonito”, diz.
PROJETO PRECISA DE APOIO PARA AMPLIAR NÚMERO DE INTEGRANTES
A orquestra tem um repertório de 30 músicas, conforme o maestro Josevaldo. Nele misturam-se composições clássicas e populares, entre estas algumas tipicamente nordestinas. No período atual, canções natalinas entram no cardápio musical.
A orquestra Santo Antônio atualmente até recusa convites para apresentações, porque as solicitações aumentaram muito e é preciso dedicar tempo aos ensaios e aprendizagem. Começou a cobrar pelas apresentações, mas o dinheiro não chega a cobrir os custos. “As cordas dos instrumentos precisam ser importadas. Por semana quebram pelo menos 10”, justifica Maria Valdete. Santos, coordenadora do projeto.
Para expandir o projeto, em qualidade artística (com um professor por instrumento, por exemplo) e quantidade de crianças atendidas, a direção tenta obter patrocínios em editais públicos de apoio à cultura, mas até o momento não obteve sucesso. A prefeitura assumiu o pagamento do maestro Josevaldo e além da feijoada anual em Nova Iorque, pessoas da comunidade, sensibilizadas com a beleza e importância social da iniciativa fazem contribuições.
A instituição mantém conta no banco cooperativo Sicoob, por onde também podem ser feitas doações, para a agência 3017, conta 15509-8.

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